sexta-feira, 27 de abril de 2018

Partida

É diretamente proporcional: quanto mais esperança, mais vontade de viver se tem. Cruel, a matemática também é: quanto menos esperança, menos vontade.
Acontece que a gente não é tão forte quanto se imagina, e a esperança varia muito no decorrer da vida.
Há um tempão, eu já não sei o que é esperança. Parece que apareceu uma pessoa na minha cabeça, que diz coisas que, eu sei que são horríveis, mas me fazem bem.
E nesse tempo de desânimo e falta de esperança, se sentir bem é a melhor coisa que pode acontecer.
Mesmo assim, eu ja tentei expulsá-la da minha vida. Tentei, porque essa pessoa nao quer que eu continue aqui.
Ela diz pra eu ir embora, ela me prepara pra partir, ela tenta fazer eu pensar em como fazer pra minha ida ser menor. Em falar nisso... E a ida? É o meu maior medo. Meu maior constrangimento. Por isso tento não ouvir ainda.
A voz me diz pra ficar sozinho. Ela quer que eu fique em casa. Ela adora ficar na cama. Se eu nao saio com meus amigos, é porque ela está vencendo. Se eu me vejo dezenas de quilos mais gordo, com doenças horríveis, e nao me cuidando, é porque ela está vencendo. Quando eu uso droga o dia inteiro, e tento fugir de tudo, é porque ela está vencendo. Quando eu recuso algo, é porque ela está vencendo. 
Confesso que o objetivo dela é essa partida.
Não consigo tirar essa pessoa de mim. Não me reconheço como ela. Mas eu não gostaria que ela vencesse.
Me vejo totalmente sozinho. Totalmente fraco. A única coisa que eu tenho é essa pessoa. Ela deve morrer

sábado, 29 de julho de 2017

Simultaneamente

A vida existe porque se tem um motivo
E o dele era a criança

Viu ele nascer sem lágrima e ar nenhum. Viu correrem com ele, tão pequeno, para o balão de oxigênio.
O balão de oxigênio foi o mundo, depois de passar alguns dias internado, com canos e seringas por todo corpo.
Mas cresceu forte, inteligente, lindo. Os dentes viviam reluzindo o mundo.
E o peito era cheio, cheio de sonhos. Pulsava muito forte!
Aquela criança já quis conhecer o Pato Donald, ser um grande artista da TV, viajar para a lua, e ser como aquele pai!

Ele era o melhor pai do mundo!
O pai ensinou ele a falar todas as palavras. Até inglês ensinou "não é bá-com, é beicon" pra aquele sabor do salgadinho, quando ele tinha uns 5 anos, mais ou menos.
Lembro que o pai sorria muito com ele correndo por fora da casa com os vizinhos, subindo no monte de areia de obra e dizendo que venceu, com uma alegria gigantesca!
O pai estudava pras provas com o garoto, gritou junto quando ele passou no vestibular, quando ele graduou.
O menino tinha um super-herói. E o pai tinha o motivo.
O motivo cresceu e virou um grande homem.

O pai só não entende o que aconteceu.
O brilho dos olhos foi sumindo.
O filho foi ficando sozinho.
O filho foi ficando triste.
De repente, sem sonhos.
Não saía mais de casa.
Não saía do quarto.
Não tinha ninguém
Não falava nada
Pra ninguém
Ninguém

Escondeu que tinha uma doença incurável.
Começou a usar todo tipo de remédio.
O motivo tentava voltar ao que era.
Mas viu que era quase impossível.
Os dois começaram a sentir dor
Muita dor. No peito. Na cabeça
Esconderam tudo um do outro.
Isolaram-se completamente.
E não falaram mais nada
Pra ninguém
Ninguém

O filho não tinha mais relação alguma com o pai.
O pai não reconhecia mais o filho.
Nem no espelho.

O motivo se acabou. E ele apagou os dois. Pai e filho.
Simultaneamente

quinta-feira, 4 de junho de 2015

O dia após

Eu armei uma bomba.
Ela tá pulsando aqui no meu peito e apitando cada segundo que passa.
Se eu apoiar a mão eu posso sentir o barulho que faz a batida.
É o mesmo barulho de quando eu tava ainda na barriga da mamãe. Sem saber o que viria.
É o mesmo barulho de quando eu ficava nervoso nas apresentações de escola. E estalava no pescoço..
É o mesmo barulho de quando eu me apaixonei e vivi loucamente, procurando amor.
É o mesmo barulho de quando eu conhecia lugares novos. De quando eu viajei com meus amigos.
É o mesmo barulho de quando mamãe me acordava pra me dar mingau. Com medo de eu ficar doente.
É o mesmo barulho de quando eu andava de bicicleta com meu irmão e a gente competia.
Esse barulho parece com toda minha vida.
Essa bomba vai crescer, quanto mais eu viver. Ela vai se encher de amor e dor.
Um dia ela explode. Silenciosa. Nenhum barulho. Nenhum.


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Nada se vê

Ele perdeu o rumo de casa.
Não tentava nem mais olhar pra frente.
E se conseguisse, na frente haveria só o amor que nunca foi.

"O que os olhos não veem, o coração sente muito". Muito.
Ele precisa da mão, da pele, da boca.
Daí as pernas nascem: desse corpo - se formando.
E anda.

Mas não anda mais.
Deita. Deita em água e sal.

Vê os de perto cada vez mais longe. Juntos.
E separam dele o coração e os olhos.

Um enxerga a decepção. Outro cega.
Sem poder enxergar,
ele nunca mais consegue voltar pra casa.


quinta-feira, 25 de abril de 2013

O coração doente.

Quando todo mundo dormia, a criancinha chorava na cama.

O travesseiro acordava todo molhado.
Ele passava a noite toda ouvindo um coração doente.
E era o único que podia ouví-lo. 

Era uma criancinha bem diferente: tinha o coração bem maior que os outros.
Na verdade, existiu um punhado de corações-grandes.
Mas todos já pararam de bater. Eles foram calados pelos pequenos.

Acontece que, nesse mundo fictício, os corações-grandes eram vistos como o que havia de mais nojento.
Eles pareciam tão repulsivos...Todo mundo tinha muito ódio deles.
E era falado isso a bom som.
O correto ali era odiar quem não tinha o coração pequeno. "Como eles podiam amar assim tão diferente? São uma aberração!!!"

A criancinha não conseguia, de nenhuma maneira, diminuir seu coração.
Enquanto vivia, tentava transformar aquilo que batia o peito.
Tentou rezar e pedir auxílio pra Quem o fez, mas ouviu dizer que Ele o odiava.
Ouviu dizer que não valia nada e que não se encontraria com Quem o fez, quando morresse.
Simplesmente porque não seria digno disso.

Teve que chorar pro travesseiro mesmo.

Mãe e pai, coitados, eram como os corações-pequenos. E amavam e odiavam igual aos outros.

Cresceu escondendo o coração. Não pôde amar, pra não mostrar o tanto amor que tinha.
Viveu, morrendo.
E o coração parou de bater. Triste. Pequenininho. Como os outros. 


segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Minha vida, daqui começou, e acaba todo ano.

O pior do natal é ver mamãe esconder o choro.

É não ser legal o suficiente pra fazer, sozinho, ela sorrir. E se sentir inútil depois.
É se sentir destruído por dentro mas dizer, sorrindo, que o peru com arroz tá uma delícia!

É não ouvir voz nenhuma a noite inteira.

É fazer aniversário junto com o pai, nesse dia, e não poder dar parabéns pra ele.
Não porque morreu. Mas porque EU morri pra ele.

É ver os comerciais de família reunida. Mas só nos comerciais ver.

Mas ver mamãe esconder o choro... nada me acaba tanto...

Dá vontade de dizer pra ela chorar tudo.
Pra ela não parecer forte só porque eu tô perto.
Dá vontade de dizer que tudo um dia vai ser diferente.
Dá vontade de fazer ela muito, muito, muito feliz!
Mas eu não consigo.

Há 21 anos atrás, com certeza ela era uma menina cheia de sonhos.
Imaginava que eu traria felicidade pro mundo.
Imaginava uma família linda, boa e feliz.
Imaginava passar natais sorrindo com os filhos e marido.
Uma casa grande, muita comida e festa.
(...)

"Chora, mãezinha. Chora. Eu tô aqui só pra lhe ouvir."



sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Brisa

E quando fizer 100 anos da primeira respiração,
alguma outra vai ter valido tanto a pena?

A brisa que sempre estufou teus pulmões, te levou pra voar alto alguma vez?
O cheiro de praia e chuva já chegou a inchar teu peito?
Lembra ainda do cheiro do teu primeiro cachorrinho?
Ficou alguma vez sentindo o perfume no pescoço do seu amor até dormir?

Pouco sobra na praia depois do sol, meu anjo.
Ele leva, em uma mala clara, a pele bonita, os sorrisos com os amigos.

Mas é pra aproveitar a lua, quando vier!
Ela é o melhor plano de fundo pra quem ama.
Porque o que sobra no final é o amor mesmo, sabe...?
Com um século de respiração, se der tudo certo, ele vai ser nossa única companhia. Seja lá por o que for.

Vai sentir as batidas das ondas com ele.
A areia fina gelada.
O céu escuro e as estrelas.

O último cheiro. De sal.
Vai ter cheiro também de tudo que viveu.

E, no ápice da lua, o mar vai te levar lá pro horizonte, pra onde o sol se põe.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Madeixas

Não o deixe só na mente.
Não o deixe. Só lamento.
Não o deixe, somente.
Não o deixe somente.
Não o deixe no sol.
Não o deixe só.
Não o deixe.
Não.
.

Talvez por ninguém chorar de um morto que não nasceu.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Renascimento

Michelangelo misturou meses e cores.
E me agraciou hoje com o céu da Capela.

Ela é meu presente.
Meu passado não teve uma só cor. Nem branco nem preto.
Quadro algum não consegui pintar.
Tudo que podia-se ver era uma armação.
De uma madeira ruim. Meio podre até.
Desiludido, eu a afundei em uma bacia funda de vinho.

De roxo, pintou meu coração.
Sangrou preto na pele.
Branca, a mão.
Uma paleta de sonhos.
Vermelha-[clara desilusão.

Minhas pernas e costas andaram por museus e já até se cansaram de admirar Van Gogh ou Tarsila.
Elas deitaram.
Sem poder virar nem falar, eu continuo tendo o teto da Sistina só para mim.

Isso sim é perfeito.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Reflexão

É areia derretida, metal. É um ringue.
Silício: m, /subst, escancara as pálpebras de uma vida. Coloca em transparência o preto. Inaugura estruturas sem chão nem pilares.

A areia derretida é uma vitrine. Vitrine porque não protege uma obra-prima de trilhões - ou quanto valer minha vida -, mas é viva para quem quiser ver. Do outro lado não se compra, não se vende. Apenas se briga.

Ouve-se uma ilha de gritos
1 milhão de bocas, poucos ouvidos.
Anos, dias, momentos sofridos
Angústia e segredos, vividos.

"Vamos aos competidores de sempre.
De um lado do octógono:
Ele deve ter uns dois metros e vinte, idiota, bruto e sensível. É ridículo!
Do outro lado do octógono:
Esse é baixinho. Não se engane com a beleza, esse é falso! Não vale nada. É ignorante. Vocês conhecem ele, não? Sim! Esse é do povo!
Podem começar!"

E cada soco dado transborda a vitrine. Vem soco com areia. Estilhaço e sangue.
O maior esmurra o menor: vaias-agulhas. Dói meu peito.
O menor revida e chuta o maior. Eu caio de costas.
Espero e não espero. Se alguém morrer, nocaute em mim.


sexta-feira, 23 de março de 2012

Louças Sujas

É como sair da mesa engolindo o choro.
É como ignorar, até o bom senso.
É como se acomodar, quando até os pratos berram.
É ficar uma semana sem ver os olhos da mãe.
É como senti-la magoada e não fazer nada.
Ver as migalhas de sentimentos em louças e não lavá-las.
É como querer ensinar mas não saber nada.
É como ser estúpido o suficiente para achar que isso tudo é certo...
E depois chorar escrevendo num blog.

quinta-feira, 1 de março de 2012

É porque fugi.

Se não me vir amanhã, é porque fugi.
Atrás de mim, todos. E na minha frente, sempre.

À noite eu apagarei a-manhã.Por quê?
Porque as gotas-salgadas-de-chuva-em-rosto umas noites precipitaram em mim:"De manhã, a noite some; De noite, a manhã se consome."
E já não existe a manhã. Existe fugir.

sábado, 17 de dezembro de 2011

O Algoz

Deram-me um motivo para chorar de verdade. Era um algoz. Cor, exuberância e olhar de um corvo.
[Realmente. Falta um parágrafo aqui]:

Parágrafo Zero: Nasci cego. E continuou assim. Minha retina sempre foi estupidez.
Minha vida sentia a armação metálica e tênue da gaiola ruim. Impossível saber se eu estava dentro ou fora. Mas um bichano de mau agouro vivia a me bicar.
*Como eu o sentia: Era imenso. Gritava. Berrava. As patas vinham com força e me feriam. Não me deixava dormir. Nunca.
Era necessário meu cuidado. Mesmo odiando, comida. Comida e carinho. Sabe-se lá o que era aquilo... e se me matasse?
19 dezembros depois e enfim escancaram a porta da gaiola. O bichano sentia mais medo de ficar que eu. Lá se foi tudo. Uma bicada forte na cabeça. Escuro estava, escuro ficou.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Estrela


Bilhões de dias 5 se passaram. Milhões de anos nessa frase. Depois de uma explosão colossal e um choro de milênios na troposfera, eis que o Universo se assusta com a coisa mais espetacular já vista.
"É só 1!
Nasceu! Tá lá em cima! Brilha demais!"
Vou contar-lhe como foi:
Era dia 05, e todos os fogos de artifício solfejaram o céu. De uma vez. Cores em cascatas. As retinas eram um só arco-íris. Mas nada ainda comparada à estrela-mór no meio. Era a protagonista. A estória inteira. O clímax e o desfecho! Qualquer memória recente circundando fogos de artifícios não era mais nada . Era um ponto simples e inocente, e tão, tão, tão, iluminado! Luminoso!
20 anos de luz clara e até hoje cegando de admiração os que acordam. Nenhuma estrela veio depois. Ouso dizer que foi o Big Bang de quem não dormiu nos últimos vinte verões-intensos. Escrevo feliz. Sou sortudo por sempre olhar para ela. Espero que essa seja a última alegria dos meus olhos.

sábado, 3 de setembro de 2011

Mar de lágrimas

Despenquei em um mar abarrotado por gotas salgadas. Até onde meus olhos chegavam, de lágrimas. Abrí-los lá embaixo era certeza de mais ardor, presenteando o mar com embrulhos fartos de lágrimas. Muitos, muitos sais. Demais. Os mais fortes. Chegava a ser branco e Vermelho. Sim.  Meu corpo replicava, queimando. As imagens tristes da queda expulsaram meus olhos de mim.
Nunca, nunca vou abrir os olhos.
Apareci aqui depois de o céu me tombar. O mar entrou na briga, aliviando um tanto minha alma - agradeci, depois de ver os chãos grossos e pontiagudos da terra seca sucumbirem com a queda. Agora é só passar noites certas de empuxo e melancolia. É apenas isso. Vou dar um inverno para o mar... ou o céu ou o inferno.

domingo, 7 de agosto de 2011

Outono de penas


As penas foram se soltando uma a uma. Transformando, junto com o tempo, o céu num verdadeiro outono de penas. Uma festa triste de plumas brancas, soltas, todas dançando valsa com o vento. Justiça para as vitoriosas! Quando eu, o pivor, me acabei, elas se libertaram com força, com vontade. Vontade de me ver despencando da imensidão.
Braços quase nus agora.
Apenas sentí-los. Quase não usei meus olhos - eles estavam secos de vento. É melhor deixá-los fechados agora. Espero que lá embaixo tenha um colchão de todas as cores, de orquídeas ou margaridas.

domingo, 10 de julho de 2011

E vem aí... [parênteses]

"É agora!"
As cortinas abriram. Despiram um palco de sete metros. Só eu ali em cima. Cabeças até onde a imagem embaça.
Mas silêncio.
Os holofotes em mim ligaram com força.
 "Agora, as cabeças embaçam antes".
Há música, não há mais o que pensar:


Vem comemorar
Escandalizar ninguém
Vem me namorar
Vou te namorar também
Vamos pra avenida desfilar a vida
Carnavalizar

Meus ouvidos passavam noites acordados, apaixonados por essa música. Agora, eles sofriam calados as vaias de um milhão. E elas começaram a soar alto. Cada vez mais pontiagudas na minha cabeça. Humilhando meus ouvidos até eles se calarem. Parei de cantar.
"Vocês querem outra, não querem?".
Talvez não fosse essa a música. Meus olhos gritavam por meu irmão ou minha mãe, esbarravam em toda a platéia. Nenhum ali na multidão. Então a morena que me vira crescer, rindo comigo, lá na cozinha. Nada.
"É 1, é 2, é 3".
 Entraram os dançarinos. Notei pelos passos também. Ainda não tinha olhado pra trás, havia um telão com um vídeo meu, sorrindo.


Viver                                                                                                                           
E não ter a vergonha de ser feliz                                                                               
Cantar e cantar e cantar                                                                                   
 Na beleza de ser um eterno aprendiz
Eu não sabia dançar aquilo..."eles me vaiam mais alto!" Eu não sabia fazer nada! Eu até gaguejava.
As cortinas se fecharam.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Um sonho [início]

Meus pés quase me fizeram tropeçar do penhasco... quando um anjo lindo me fez flutuar. Era radiante, brilhava mais do que 6 da manhã. O sorriso tinha fôlego para brilhar ainda mais. Era feito de luz e amor - beirava os sonhos. E eu ainda conseguia sentir sua pele suave. Tocou minha mão com uma leveza própria e me deixou tão leve quanto. Em seguida, voamos de mãos dadas por todos os pontos azuis do mundo. A selva de homens lá embaixo agora parecia menor do que qualquer problema. Problemas que eu não tinha mais: sua boca vermelha soprava as mais doces palavras, e tão rápido ocupava toda minha mente. O dedo do anjinho apontava os melhores lugares. Todos com água, muitas flores, muita vida. "Vamos sentar ali?". "Onde você quiser". Preferia deixar minha vida à mercê de seus desejos. O anjo ficou com toda minha confiança, com todo meu amor. Como retribuir? "Me abraça, me beija. Vem me levar de novo sempre que tu quiser."

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Semeador de oásis

Só há areia.

É a menor mentirosa do mundo: grãos pequenos, levinhos, brancos. Brilham tanto que chegam a reluzir todo o céu. É como ouro! Dela nasce todo o verde, marrom, vermelho, rosa. Do outro lado, tem-se um desgaste de toda uma vida: já não tenho mais pernas para encarar os amontoados de grãos. Amontoados feito véus grossos: tapam todo o horizonte. Meus olhos, todavia, já não conseguiam ver horizontes há muito tempo - eles me disseram que no deserto só reina a areia. Citação acompanhada por lágrimas secas. Às vezes, os olhos riem da minha cara pálida mostrando miragens. São meus maiores inimigos, com certeza.
Preferia ter nascido cego! Sim!
Em compensação, minhas mãos ainda me fazem vivo. Coitadas. Até conseguiram plantar uns oásis por aí. Oásis de todas as cores e de água sem nenhuma! Mas andei tanto, depois, que nem lembro mais onde estão. Minhas mãos também escalam as montanhas mais altas de areia e me impedem de cair no chão por vezes. Trocaria meus olhos por mais duas.
Mas o deserto me quer assim. Acredito que ele goste de ter os grãos de areia batendo e arranhando meu corpo. Digo isso porque o sol sorri com força quando eu tropeço - ele escancara, mais convicto, minha sombra escura. Pelo meu caminho, meus olhos vêem mais montanhas de areia se formando. Motivos que eu nunca irei entender. Também nunca vou entender por que eu preciso continuar caminhando, nem por que há tantos montes de areia, nem mesmo por que eu sou o único 'semeador' de oásis daqui.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Verdades

Há verdades que meu peito já entendeu mas minha cabeça não.
Verdades que, estampadas em livros sagrados, sangram meu coração.
Verdades proferidas de joelho.
É um punhado de verdades que faz da minha vida um monte de mentiras.
Verdades que me fazem conviver em harmonia com a depressão.
Verdades tão fracas mas tão fortes que derrubam adultos.
Apagam adolescentes.
Acabam com sonhos de crianças.
Elas não conseguem entender verdades. As verdades, na verdade.
Crianças que quando ouvem amém, choram de verdade.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Esplêndido vôo

Se eles voarem, as cores das asas vão ser as últimas que eu verei. São os mais lindos e coloridos passarinhos, mas ninguém os enxerga desse jeito. O clímax da minha história seria vê-los alegres, fluindo por um céu claro. Clímax e desfecho. Ainda caminho porque sei que eles estão bem presos na gaiola da minha mente. É a única causa. Passo noites inteiras limpando e arrumando essa gaiola da melhor maneira. Mas minhas mãos, quando passam perto deles, têm vontade de esmagá-los. Eu tiraria força de todos os meus músculos e os apertaria de maneira a nunca mais precisar ver pra essa gaiola idiota - talvez falte coragem. Porque lá fora, os pássaros voam livremente. Eles podem, os meus não. O egoísmo e a raiva também preferiram me ver vivo a vê-los voando. Fraqueza minha: será que eu não vejo que isso tudo é errado? Não, não vejo: meus olhos não desgrudam da gaiola. Ou eles morrem primeiro ou eu.

quarta-feira, 16 de março de 2011

"Não serás inocente!"

Os olhos do jovem cegaram toda confiança que ele havia depositado nela.
A inocência do príncipe parecia contemplar com a alegria e o carinho da negra servente. Ele a adorava. Ela o tratava da melhor maneira: café forte da fazenda ainda na cama fofa, água gelada na boca a cada vento quente que soprasse. A melhor receita de sopa do reino era dela. De fato, a melhor e mais prestativa servente. Em retribuição, ele conseguiria todas as carruagens do reino para a negra, se ela estivesse indisposta para ir ao celeiro, mandaria matar os cordeiros mais gordos, se ela sentisse desejo. Daria todas as pratas que precisasse, mas vê-la furtando fora um veneno.
Tudo desmoronou.
As pratas que faltaram para a reforma da casa grande estavam nos bolsos imundos daquela negra. De nenhum alvo, mas dela. Os mesmos olhos que viram a nojenta cena, derramaram as mais dolorosas lágrimas em seguida. Ela havia furtado algumas pratas, a auto-estima e a alegria de viver daquele solitário príncipe.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Redenção




Uma bala atrás da outra. Era infinito aquele cartucho. Achava que meu sangue também: dezenove invernos de sangue. E de balas. Imagem embaçada por olhos entreabertos - era impossível fitar os olhos dele. Ao meu alcance havia um rifle e palavras. Apenas. Mas deixei o rifle de lado. Atirei todas as palavras que eu pude. Encontrei um pouco de afeto em mim. Atirei também. Não sei se escolhi as armas erradas: meu sangue continuava a jorrar. E parecia estar mais forte ainda. Eu não era vítima, mas minha culpa não sustentava tanta dor... As palavras, enfim, acabaram. Peguei meu rifle e atirei uma nele. Eu o vi morto, em seguida. Me aproximei para certificar e encontrei um rosto marcado por lágrimas. Aquele tiro que eu dei talvez tenha doído mais em mim. Doeu muito. Era o que faltava para eu morrer.
.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

À senhora morena do chapéu de palha,

eu ofereço minhas honras.
Robusta mulata de meia idade. Mas tão frágil frente o sol forte das 2.
"A senhora pode voar sim! Assim como as pipas que vendes! E ter dias melhores que esses abastardos têm na praia!"
Saiba, senhora, que aquele abraço-acalento que me deste me fez protegido por dias. Sou muito grato.
Que pele castigada...! Bola de fogo miserável! Se eu pudesse, minha guerreira, faria noite sempre que saísses para trabalhar. Melhor: eu te levaria às ondas, para curtí-las. A praia seria toda tua. As pipas, a senhora deixaria voando para onde quisessem ir.
Tão doce, meu anjo! Baita Generosidade! Não quero, de cortesia, mais um carretel... O que quero é tua bondade! Posso levar a senhora também, por inteira, nos meus sonhos? "Feliz ano novo também!". Na verdade, feliz vida! Feliz demais! Ah, se eu fosse digno de te dizer o que mereces... ...

quinta-feira, 18 de março de 2010

O dia anterior


A notícia seria perturbadora para qualquer um, mas aquela mente estava na praia. Curtir o pôr-do-sol não ficou de lado. Na verdade, pouca diferença esse dia trouxe ao rapaz. Saiu do serviço - de bicicleta - de encontro às ondas. Sempre voltava de bicicleta. E adorava. Novamente admirou aquelas árvores esquecidas pelo cinza, os frutos, as flores do canteiro da velhinha. Pedalou suave. Continuou a respirar fundo o vento frio e sereno do final da tarde. Nem mágoa nem jantar na mente do rapaz. Os olhos dele fitaram o céu e a boca respondeu, sorrindo. Na deserta praia, os pés foram molhados pela água gelada do mar e jogaram água para cima, em seguida, como tanto faziam. O rapaz vivia como se cada dia fosse o último há muito tempo... talvez soubesse que algum dia, esse seria.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Bagagem pesada

As piores escolhas bem guardadas na bolsa. Bolsa pesada. O garoto tão calejado não cansava de perambular pela sala de aula à procura do melhor lugar para deixá-la. Aparente satisfação. Aparente orgulho pela bolsa que carregava. Pessoas terminantemente desconhecidas ao redor. Ninguém para puxar aquela bolsa com força e jogar tudo que lá tem dentro para fora do Campus. Ninguém. Nada. Nem a coragem. Nem a motivação. Mas a bolsa... sempre presente, e nas costas do garoto. Estava ali com ele até que... sabe-se lá o que, acontecesse...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Nostalgia

Bastou abrir o portão para que o garoto visse sua infância inteira na forma de um adolescente. O amigo de anos atrás sorriu ao vê-lo e logo, como numa apunhalada da nostalgia, foi perguntado sobre seu bem-estar. Recebeu o apelido de leal não só por se chamar Leo mas por ter sido por anos o companheiro mais incrível de todos. Suas infâncias se confundiam. Tantos sorrisos, dias iluminados e essa cicatriz no dedo. Sim. Impaciência infantil: se a mãe não cooperasse pela espera do filho na rua, ele subia no muro com cacos de vidros para esperar o amigo lá de cima mesmo. Um dia tanto sangue trouxe. Os sorrisos depois pareceram estancar a ferida. Foi uma infância perfeita. Mas o garoto mudou, o amigo também, e como o tempo, nada voltou ao que era. Desde aqueles dias eles não se viam. O garoto respondeu que tudo estava bem. Leo replicou com um sorriso e fechou o portão em seguida. Preferiu assistir a um programa. Sozinho.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Ostracismo

"Talvez ela já soubesse o que eu fora pedir. O pensamento disparou rápido e agudo pela boca... e como num choque o NÃO me deixou desnorteado. Ao menos ela ousou usar sua audição. Não conheço as palavras nem o respeito. Conheço o Não... ah, e como conheço! Minha vida foi cercada por ele desde quando respirei pela primeira vez. Já tentei até escalar mas Não conseguiu. O Não sempre consegue. Para ele, é fácil até me deixar com fome na calçada. Mas às vezes acho que o Não só é assim comigo. Aquelas crianças de farda atravessando a faixa com os pais conhecem o Não? Prefiro acreditar que sim. Seria injustiça. Com certeza elas dormem numa calçada longe daqui e também pedem comida de tarde. Agora elas só estão fazendo alguma atividade. Como eu. Daqui a pouco catarei as latas menos amassadas ou o que for de metal. Eu até gostaria de ver a atividade daquelas crianças, mas é meio improvável. Certa vez eu cheguei lá perto e me jogaram um bocado de pedras. Uma acertou minha testa e hoje tenho uma cicatriz. Quem me levou para o hospital foi uma senhora caridosa. Eu sou muito sortudo, muito... ela me abraçava tão forte e o sentimento era tão bom que quando lembro ainda sorrio. Opa! Me descuidei... minha perna foi chutada. Talvez eu esteja ocupando muito espaço aqui."

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Pobre Calouro


A rolha sacou da champagne. Aplausos. Sorrisos. Parece que toda alegria da loteria perdida veio desabar nesse resultado.
-Posso ir ao banheiro, mãe?
-Volta rápido! Os convidados querem você aqui.
E ele queria os convidados longe dali. O garoto teve de desviar de muitos sorrisos até chegar ao banheiro. Sorrisos falsos... será? Não se sabe. As lágrimas no banheiro eram sim de verdade, e isso o garoto tinha certeza. Como se sabe que algo feito foi certo? Parece que a covarde da consciência só se apresenta quando não a queremos... O garoto era só dúvidas e lágrimas. E desespero. Com quem dividir? Não era isso que ele queria. Ou era? O curso deveria ser feito, não é? Sim! Não sente esse cheiro de churrasco? Não poderia mais desistir. Ou poderia? O que fazer? *Toc-Toc* "Venha, meu filho. Sua avó vai falar uma coisinha". Mais surpresas. Ele tem uma a declarar também: não quer ouvir.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Percalços inconvenientes

A senhora passava algum doce por cima do bolo. E ela havia notado a chegada do garoto. "Oi tia, a senhora tá bem?" O silêncio foi precedido por outras duas perguntas em vão. Ela parecia não ter sentimento algum. O garoto podia compará-la à mesa em que a senhora apoiava o corpo. Os olhos dela fitaram os do garoto e baixou a cabeça em seguida. "Esse bolo parece muito gostoso, tia... de que ele é feito?". A senhora preferiu lavar a faca a responder a pergunta. Ele preferiu voltar à sala a ver um estrago maior. Aquela não parecia a senhora de algumas semanas atrás que abraçava-o e enchia-lhe de carinho. - Ela sabe. Eu contei - disse a filha da senhora e amiga do garoto. "Supus" e baixou a cabeça. O garoto então voltou para casa. Foi apenas para rever a amiga e a mãe dela - grande engano.
A senhora certificou-se de que o garoto havia ido embora e então pegou a Bíblia. Rezou e rezou. Levantou-se e benzeu a casa, afirmando: "Aqui não entra esse tipo de gente". Sua religião nunca aceitou que um homem tivesse afeto por outro. E a amizade acabou por aí.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Anestesia

Uma só bastou.
aço e tristeza
gatilho e marca de dor
estouro seco e doce silêncio
sem gosto, sem cheiro, sem cor.

Papel amassado e poesia
mágoas por que já passou
sofrimento sereno, utopia
castigos de quem tanto amou.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Felicidade a preço de custo!

Estão leiloando vidas lá fora: "Quem dá o menor valor para esse médico frustrado?". O pobre se protege dizendo que foi seu pai quem mandou. Um arrematador grita em alto e bom som: "Ah! Então dou alguns trocados!". "Dou-lhe uma...".
- E eu não participo? O dinheiro me faz pensar em suicídio diariamente!
- Mas como você é louca... Se ela participar, eu quero também. Passei por cima de todos meu amigos e até familiares para ganhar uma promoção! Mas hoje sou muitíssimo feliz. Rica! Tenho uma BMW na garagem! E isso diz tudo, não é mesmo? - uma moça mal cuidada, cheia de jóias e olheiras levanta voz no salão.
- DOU ZERO POR AMBAS!
"Muito bom lance! Dou-lhe duas! Quem dá menos, quem dá menos!?".

sábado, 23 de janeiro de 2010

É melhor fechar a janela

A criancinha esmaecida na janela apenas imagina como seria bom estar lá fora brincando com as outras. Seu olhar é fixo, cheio, terno e triste. Gargalhadas e conversas inocentes ouvidas com tanta cautela. Ela não é a culpada pela violência. A criança apenas chora um mundo tão desconhecido... cruel. Não culpem a mãe por se entristecer vendo a cena ali da copa, enxugando as louças. Ela sofre ainda mais pela filha, pelo mundo. "É melhor fechar a janela, filha". E é melhor nem explicar o porquê. Tantas estórias de morte e catástrofe podem ser esquecidas nesse momento. "Venha. Abraça-me, meu anjo". Na verdade, nenhuma entende. Nenhuma entende o motivo por tanto sofrer.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Sinestesia

Como é bom entrar nesse rio numa manhã de sol tão clara! As cores parecem tão vivas! Os peixes pouco dão importância para tanta beleza... mas eu sim! Nunca vi tão lindas flores quanto as que eu vejo nos meandros desse rio, nunca vi tão linda relva! Tão verdes copas! Tão lindas pedras! O sol parece conspirar com os deuses para me mostrar tudo isso... É tudo tão vívido! O aroma de terra úmida me embebeda! Pouco enxergo essa água tão cristalina... ela preferiu dar espaço para as algas e os corais lá embaixo serem admirados! Esse vento frio entrando nos meus pulmões completam a ternura do lugar... sortudos são os pássaros que voam, cantam e batem asas, curtindo-o ao máximo . Aaaah... ... ... ... tudo é tão calmo. Tudo é tão bom! Vou ficar aqui mesmo! Vou fazer companhia aos peixes, aos coelhos, aos cervos, aos pássaros... e a mim.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Por favor... Endorfina!

Eu imploro por um pouco, só um pouco de endorfina! Eu preciso esquecer-me do abismo que abriu nessa estrada! Eu preciso esquecer-me desses que sorriram vendo ela desabar! Eu preciso que amanheça! Eu preciso de endorfina! Qualquer morfina, então! Só quero não ver mais tantos sorrisos falsos! Não quero mais beirar nesse penhasco vendo a praia de tão alto! Por favor, ajude-me a sair daqui! Procure para mim nesse mundo uma cápsula de endorfina! Procure no seu, então! ... Porque o bater das ondas parece decidido a me querer!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Já pode sorrir!

É bem melhor esquecermos os terremotos, as pontes, os sarneys... pelo menos por um dia, não é? Garanto que é bom sorrir e eu tenho o apoio de um batalhão de cientistas, psicólogos, filósofos. Mostre para os que o amam que você é feliz. Por favor, não dê o gostinho da vitória para aqueles que o invejam acharem que és triste. Sorria! Faça bem para você mesmo! Saia daqui e abra um site de piadas! Ligue para aquele amigo risonho que você não fala há tanto tempo. Desligue em seguida e dê atenção ao cachorro! Esqueça os repórteres! Eles ganham só para deixá-lo em pânico! Esqueça os vizinhos sentados! Eles não ganham que é só para deixá-lo mal. Estamos aqui para vivermos essa felicidade! E você está indo bem, não é? É! Não adianta negar para mim: você é feliz! Então sorria, vá! [e por favor, não leia os outros posts =x]

sábado, 16 de janeiro de 2010

Quarto Escuro


Por favor tenha fé. É possível sentir o fundo do poço depois de faltar, que seja, um rastro dela. Realizar, construir, ajudar, crescer sem a sensação de Alguém estar acompanhando tudo é tão solitário quanto um dia de quarto escuro. Parece que tudo acontece, simplesmente, porque acontece. As vitórias só são vitórias, sem merecimento algum. As tristezas são apenas tristezas, e não virá alegria depois se não correres atrás. Não tem ninguém pra te ajudar. Não tem apoio. Não tem ninguém te olhando. Por favor tenha fé! Foi Ele sim que criou o Universo! Se tiveres dúvida, rasgue os livros de ciências! Por favor, não torne-se cientista! E tenha fé. Hoje sofro por ter sido tão radical.

Breve Discurso metafórico

Nada mais inocente e limpo -apesar de hipócrita- quanto o toque de recolher: hora de as crianças sonharem com um mundo melhor -ainda desconhecidas do mundo real-, de as senhoras imitarem as crianças, de os jovens viverem a surrealidade da imagem turva, de os mendigos sofrerem hipotermia nas calçadas. Toque de Recolher seguirá a essência que seu nome carrega, e ainda me explico em alto e bom som: quero fugir da hipocrisia e das represálias que assolam -não só a minha- mas essas tão vazias vidas humanas.