sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Nada se vê

Ele perdeu o rumo de casa.
Não tentava nem mais olhar pra frente.
E se conseguisse, na frente haveria só o amor que nunca foi.

"O que os olhos não veem, o coração sente muito". Muito.
Ele precisa da mão, da pele, da boca.
Daí as pernas nascem: desse corpo - se formando.
E anda.

Mas não anda mais.
Deita. Deita em água e sal.

Vê os de perto cada vez mais longe. Juntos.
E separam dele o coração e os olhos.

Um enxerga a decepção. Outro cega.
Sem poder enxergar,
ele nunca mais consegue voltar pra casa.


quinta-feira, 25 de abril de 2013

O coração doente.

Quando todo mundo dormia, a criancinha chorava na cama.

O travesseiro acordava todo molhado.
Ele passava a noite toda ouvindo um coração doente.
E era o único que podia ouví-lo. 

Era uma criancinha bem diferente: tinha o coração bem maior que os outros.
Na verdade, existiu um punhado de corações-grandes.
Mas todos já pararam de bater. Eles foram calados pelos pequenos.

Acontece que, nesse mundo fictício, os corações-grandes eram vistos como o que havia de mais nojento.
Eles pareciam tão repulsivos...Todo mundo tinha muito ódio deles.
E era falado isso a bom som.
O correto ali era odiar quem não tinha o coração pequeno. "Como eles podiam amar assim tão diferente? São uma aberração!!!"

A criancinha não conseguia, de nenhuma maneira, diminuir seu coração.
Enquanto vivia, tentava transformar aquilo que batia o peito.
Tentou rezar e pedir auxílio pra Quem o fez, mas ouviu dizer que Ele o odiava.
Ouviu dizer que não valia nada e que não se encontraria com Quem o fez, quando morresse.
Simplesmente porque não seria digno disso.

Teve que chorar pro travesseiro mesmo.

Mãe e pai, coitados, eram como os corações-pequenos. E amavam e odiavam igual aos outros.

Cresceu escondendo o coração. Não pôde amar, pra não mostrar o tanto amor que tinha.
Viveu, morrendo.
E o coração parou de bater. Triste. Pequenininho. Como os outros.