quarta-feira, 23 de março de 2011

Esplêndido vôo

Se eles voarem, as cores das asas vão ser as últimas que eu verei. São os mais lindos e coloridos passarinhos, mas ninguém os enxerga desse jeito. O clímax da minha história seria vê-los alegres, fluindo por um céu claro. Clímax e desfecho. Ainda caminho porque sei que eles estão bem presos na gaiola da minha mente. É a única causa. Passo noites inteiras limpando e arrumando essa gaiola da melhor maneira. Mas minhas mãos, quando passam perto deles, têm vontade de esmagá-los. Eu tiraria força de todos os meus músculos e os apertaria de maneira a nunca mais precisar ver pra essa gaiola idiota - talvez falte coragem. Porque lá fora, os pássaros voam livremente. Eles podem, os meus não. O egoísmo e a raiva também preferiram me ver vivo a vê-los voando. Fraqueza minha: será que eu não vejo que isso tudo é errado? Não, não vejo: meus olhos não desgrudam da gaiola. Ou eles morrem primeiro ou eu.

quarta-feira, 16 de março de 2011

"Não serás inocente!"

Os olhos do jovem cegaram toda confiança que ele havia depositado nela.
A inocência do príncipe parecia contemplar com a alegria e o carinho da negra servente. Ele a adorava. Ela o tratava da melhor maneira: café forte da fazenda ainda na cama fofa, água gelada na boca a cada vento quente que soprasse. A melhor receita de sopa do reino era dela. De fato, a melhor e mais prestativa servente. Em retribuição, ele conseguiria todas as carruagens do reino para a negra, se ela estivesse indisposta para ir ao celeiro, mandaria matar os cordeiros mais gordos, se ela sentisse desejo. Daria todas as pratas que precisasse, mas vê-la furtando fora um veneno.
Tudo desmoronou.
As pratas que faltaram para a reforma da casa grande estavam nos bolsos imundos daquela negra. De nenhum alvo, mas dela. Os mesmos olhos que viram a nojenta cena, derramaram as mais dolorosas lágrimas em seguida. Ela havia furtado algumas pratas, a auto-estima e a alegria de viver daquele solitário príncipe.