terça-feira, 21 de dezembro de 2010

À senhora morena do chapéu de palha,

eu ofereço minhas honras.
Robusta mulata de meia idade. Mas tão frágil frente o sol forte das 2.
"A senhora pode voar sim! Assim como as pipas que vendes! E ter dias melhores que esses abastardos têm na praia!"
Saiba, senhora, que aquele abraço-acalento que me deste me fez protegido por dias. Sou muito grato.
Que pele castigada...! Bola de fogo miserável! Se eu pudesse, minha guerreira, faria noite sempre que saísses para trabalhar. Melhor: eu te levaria às ondas, para curtí-las. A praia seria toda tua. As pipas, a senhora deixaria voando para onde quisessem ir.
Tão doce, meu anjo! Baita Generosidade! Não quero, de cortesia, mais um carretel... O que quero é tua bondade! Posso levar a senhora também, por inteira, nos meus sonhos? "Feliz ano novo também!". Na verdade, feliz vida! Feliz demais! Ah, se eu fosse digno de te dizer o que mereces... ...

quinta-feira, 18 de março de 2010

O dia anterior


A notícia seria perturbadora para qualquer um, mas aquela mente estava na praia. Curtir o pôr-do-sol não ficou de lado. Na verdade, pouca diferença esse dia trouxe ao rapaz. Saiu do serviço - de bicicleta - de encontro às ondas. Sempre voltava de bicicleta. E adorava. Novamente admirou aquelas árvores esquecidas pelo cinza, os frutos, as flores do canteiro da velhinha. Pedalou suave. Continuou a respirar fundo o vento frio e sereno do final da tarde. Nem mágoa nem jantar na mente do rapaz. Os olhos dele fitaram o céu e a boca respondeu, sorrindo. Na deserta praia, os pés foram molhados pela água gelada do mar e jogaram água para cima, em seguida, como tanto faziam. O rapaz vivia como se cada dia fosse o último há muito tempo... talvez soubesse que algum dia, esse seria.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Bagagem pesada

As piores escolhas bem guardadas na bolsa. Bolsa pesada. O garoto tão calejado não cansava de perambular pela sala de aula à procura do melhor lugar para deixá-la. Aparente satisfação. Aparente orgulho pela bolsa que carregava. Pessoas terminantemente desconhecidas ao redor. Ninguém para puxar aquela bolsa com força e jogar tudo que lá tem dentro para fora do Campus. Ninguém. Nada. Nem a coragem. Nem a motivação. Mas a bolsa... sempre presente, e nas costas do garoto. Estava ali com ele até que... sabe-se lá o que, acontecesse...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Nostalgia

Bastou abrir o portão para que o garoto visse sua infância inteira na forma de um adolescente. O amigo de anos atrás sorriu ao vê-lo e logo, como numa apunhalada da nostalgia, foi perguntado sobre seu bem-estar. Recebeu o apelido de leal não só por se chamar Leo mas por ter sido por anos o companheiro mais incrível de todos. Suas infâncias se confundiam. Tantos sorrisos, dias iluminados e essa cicatriz no dedo. Sim. Impaciência infantil: se a mãe não cooperasse pela espera do filho na rua, ele subia no muro com cacos de vidros para esperar o amigo lá de cima mesmo. Um dia tanto sangue trouxe. Os sorrisos depois pareceram estancar a ferida. Foi uma infância perfeita. Mas o garoto mudou, o amigo também, e como o tempo, nada voltou ao que era. Desde aqueles dias eles não se viam. O garoto respondeu que tudo estava bem. Leo replicou com um sorriso e fechou o portão em seguida. Preferiu assistir a um programa. Sozinho.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Ostracismo

"Talvez ela já soubesse o que eu fora pedir. O pensamento disparou rápido e agudo pela boca... e como num choque o NÃO me deixou desnorteado. Ao menos ela ousou usar sua audição. Não conheço as palavras nem o respeito. Conheço o Não... ah, e como conheço! Minha vida foi cercada por ele desde quando respirei pela primeira vez. Já tentei até escalar mas Não conseguiu. O Não sempre consegue. Para ele, é fácil até me deixar com fome na calçada. Mas às vezes acho que o Não só é assim comigo. Aquelas crianças de farda atravessando a faixa com os pais conhecem o Não? Prefiro acreditar que sim. Seria injustiça. Com certeza elas dormem numa calçada longe daqui e também pedem comida de tarde. Agora elas só estão fazendo alguma atividade. Como eu. Daqui a pouco catarei as latas menos amassadas ou o que for de metal. Eu até gostaria de ver a atividade daquelas crianças, mas é meio improvável. Certa vez eu cheguei lá perto e me jogaram um bocado de pedras. Uma acertou minha testa e hoje tenho uma cicatriz. Quem me levou para o hospital foi uma senhora caridosa. Eu sou muito sortudo, muito... ela me abraçava tão forte e o sentimento era tão bom que quando lembro ainda sorrio. Opa! Me descuidei... minha perna foi chutada. Talvez eu esteja ocupando muito espaço aqui."

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Pobre Calouro


A rolha sacou da champagne. Aplausos. Sorrisos. Parece que toda alegria da loteria perdida veio desabar nesse resultado.
-Posso ir ao banheiro, mãe?
-Volta rápido! Os convidados querem você aqui.
E ele queria os convidados longe dali. O garoto teve de desviar de muitos sorrisos até chegar ao banheiro. Sorrisos falsos... será? Não se sabe. As lágrimas no banheiro eram sim de verdade, e isso o garoto tinha certeza. Como se sabe que algo feito foi certo? Parece que a covarde da consciência só se apresenta quando não a queremos... O garoto era só dúvidas e lágrimas. E desespero. Com quem dividir? Não era isso que ele queria. Ou era? O curso deveria ser feito, não é? Sim! Não sente esse cheiro de churrasco? Não poderia mais desistir. Ou poderia? O que fazer? *Toc-Toc* "Venha, meu filho. Sua avó vai falar uma coisinha". Mais surpresas. Ele tem uma a declarar também: não quer ouvir.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Percalços inconvenientes

A senhora passava algum doce por cima do bolo. E ela havia notado a chegada do garoto. "Oi tia, a senhora tá bem?" O silêncio foi precedido por outras duas perguntas em vão. Ela parecia não ter sentimento algum. O garoto podia compará-la à mesa em que a senhora apoiava o corpo. Os olhos dela fitaram os do garoto e baixou a cabeça em seguida. "Esse bolo parece muito gostoso, tia... de que ele é feito?". A senhora preferiu lavar a faca a responder a pergunta. Ele preferiu voltar à sala a ver um estrago maior. Aquela não parecia a senhora de algumas semanas atrás que abraçava-o e enchia-lhe de carinho. - Ela sabe. Eu contei - disse a filha da senhora e amiga do garoto. "Supus" e baixou a cabeça. O garoto então voltou para casa. Foi apenas para rever a amiga e a mãe dela - grande engano.
A senhora certificou-se de que o garoto havia ido embora e então pegou a Bíblia. Rezou e rezou. Levantou-se e benzeu a casa, afirmando: "Aqui não entra esse tipo de gente". Sua religião nunca aceitou que um homem tivesse afeto por outro. E a amizade acabou por aí.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Anestesia

Uma só bastou.
aço e tristeza
gatilho e marca de dor
estouro seco e doce silêncio
sem gosto, sem cheiro, sem cor.

Papel amassado e poesia
mágoas por que já passou
sofrimento sereno, utopia
castigos de quem tanto amou.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Felicidade a preço de custo!

Estão leiloando vidas lá fora: "Quem dá o menor valor para esse médico frustrado?". O pobre se protege dizendo que foi seu pai quem mandou. Um arrematador grita em alto e bom som: "Ah! Então dou alguns trocados!". "Dou-lhe uma...".
- E eu não participo? O dinheiro me faz pensar em suicídio diariamente!
- Mas como você é louca... Se ela participar, eu quero também. Passei por cima de todos meu amigos e até familiares para ganhar uma promoção! Mas hoje sou muitíssimo feliz. Rica! Tenho uma BMW na garagem! E isso diz tudo, não é mesmo? - uma moça mal cuidada, cheia de jóias e olheiras levanta voz no salão.
- DOU ZERO POR AMBAS!
"Muito bom lance! Dou-lhe duas! Quem dá menos, quem dá menos!?".

sábado, 23 de janeiro de 2010

É melhor fechar a janela

A criancinha esmaecida na janela apenas imagina como seria bom estar lá fora brincando com as outras. Seu olhar é fixo, cheio, terno e triste. Gargalhadas e conversas inocentes ouvidas com tanta cautela. Ela não é a culpada pela violência. A criança apenas chora um mundo tão desconhecido... cruel. Não culpem a mãe por se entristecer vendo a cena ali da copa, enxugando as louças. Ela sofre ainda mais pela filha, pelo mundo. "É melhor fechar a janela, filha". E é melhor nem explicar o porquê. Tantas estórias de morte e catástrofe podem ser esquecidas nesse momento. "Venha. Abraça-me, meu anjo". Na verdade, nenhuma entende. Nenhuma entende o motivo por tanto sofrer.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Sinestesia

Como é bom entrar nesse rio numa manhã de sol tão clara! As cores parecem tão vivas! Os peixes pouco dão importância para tanta beleza... mas eu sim! Nunca vi tão lindas flores quanto as que eu vejo nos meandros desse rio, nunca vi tão linda relva! Tão verdes copas! Tão lindas pedras! O sol parece conspirar com os deuses para me mostrar tudo isso... É tudo tão vívido! O aroma de terra úmida me embebeda! Pouco enxergo essa água tão cristalina... ela preferiu dar espaço para as algas e os corais lá embaixo serem admirados! Esse vento frio entrando nos meus pulmões completam a ternura do lugar... sortudos são os pássaros que voam, cantam e batem asas, curtindo-o ao máximo . Aaaah... ... ... ... tudo é tão calmo. Tudo é tão bom! Vou ficar aqui mesmo! Vou fazer companhia aos peixes, aos coelhos, aos cervos, aos pássaros... e a mim.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Por favor... Endorfina!

Eu imploro por um pouco, só um pouco de endorfina! Eu preciso esquecer-me do abismo que abriu nessa estrada! Eu preciso esquecer-me desses que sorriram vendo ela desabar! Eu preciso que amanheça! Eu preciso de endorfina! Qualquer morfina, então! Só quero não ver mais tantos sorrisos falsos! Não quero mais beirar nesse penhasco vendo a praia de tão alto! Por favor, ajude-me a sair daqui! Procure para mim nesse mundo uma cápsula de endorfina! Procure no seu, então! ... Porque o bater das ondas parece decidido a me querer!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Já pode sorrir!

É bem melhor esquecermos os terremotos, as pontes, os sarneys... pelo menos por um dia, não é? Garanto que é bom sorrir e eu tenho o apoio de um batalhão de cientistas, psicólogos, filósofos. Mostre para os que o amam que você é feliz. Por favor, não dê o gostinho da vitória para aqueles que o invejam acharem que és triste. Sorria! Faça bem para você mesmo! Saia daqui e abra um site de piadas! Ligue para aquele amigo risonho que você não fala há tanto tempo. Desligue em seguida e dê atenção ao cachorro! Esqueça os repórteres! Eles ganham só para deixá-lo em pânico! Esqueça os vizinhos sentados! Eles não ganham que é só para deixá-lo mal. Estamos aqui para vivermos essa felicidade! E você está indo bem, não é? É! Não adianta negar para mim: você é feliz! Então sorria, vá! [e por favor, não leia os outros posts =x]

sábado, 16 de janeiro de 2010

Quarto Escuro


Por favor tenha fé. É possível sentir o fundo do poço depois de faltar, que seja, um rastro dela. Realizar, construir, ajudar, crescer sem a sensação de Alguém estar acompanhando tudo é tão solitário quanto um dia de quarto escuro. Parece que tudo acontece, simplesmente, porque acontece. As vitórias só são vitórias, sem merecimento algum. As tristezas são apenas tristezas, e não virá alegria depois se não correres atrás. Não tem ninguém pra te ajudar. Não tem apoio. Não tem ninguém te olhando. Por favor tenha fé! Foi Ele sim que criou o Universo! Se tiveres dúvida, rasgue os livros de ciências! Por favor, não torne-se cientista! E tenha fé. Hoje sofro por ter sido tão radical.

Breve Discurso metafórico

Nada mais inocente e limpo -apesar de hipócrita- quanto o toque de recolher: hora de as crianças sonharem com um mundo melhor -ainda desconhecidas do mundo real-, de as senhoras imitarem as crianças, de os jovens viverem a surrealidade da imagem turva, de os mendigos sofrerem hipotermia nas calçadas. Toque de Recolher seguirá a essência que seu nome carrega, e ainda me explico em alto e bom som: quero fugir da hipocrisia e das represálias que assolam -não só a minha- mas essas tão vazias vidas humanas.