domingo, 14 de fevereiro de 2010

Ostracismo

"Talvez ela já soubesse o que eu fora pedir. O pensamento disparou rápido e agudo pela boca... e como num choque o NÃO me deixou desnorteado. Ao menos ela ousou usar sua audição. Não conheço as palavras nem o respeito. Conheço o Não... ah, e como conheço! Minha vida foi cercada por ele desde quando respirei pela primeira vez. Já tentei até escalar mas Não conseguiu. O Não sempre consegue. Para ele, é fácil até me deixar com fome na calçada. Mas às vezes acho que o Não só é assim comigo. Aquelas crianças de farda atravessando a faixa com os pais conhecem o Não? Prefiro acreditar que sim. Seria injustiça. Com certeza elas dormem numa calçada longe daqui e também pedem comida de tarde. Agora elas só estão fazendo alguma atividade. Como eu. Daqui a pouco catarei as latas menos amassadas ou o que for de metal. Eu até gostaria de ver a atividade daquelas crianças, mas é meio improvável. Certa vez eu cheguei lá perto e me jogaram um bocado de pedras. Uma acertou minha testa e hoje tenho uma cicatriz. Quem me levou para o hospital foi uma senhora caridosa. Eu sou muito sortudo, muito... ela me abraçava tão forte e o sentimento era tão bom que quando lembro ainda sorrio. Opa! Me descuidei... minha perna foi chutada. Talvez eu esteja ocupando muito espaço aqui."