sábado, 17 de dezembro de 2011

O Algoz

Deram-me um motivo para chorar de verdade. Era um algoz. Cor, exuberância e olhar de um corvo.
[Realmente. Falta um parágrafo aqui]:

Parágrafo Zero: Nasci cego. E continuou assim. Minha retina sempre foi estupidez.
Minha vida sentia a armação metálica e tênue da gaiola ruim. Impossível saber se eu estava dentro ou fora. Mas um bichano de mau agouro vivia a me bicar.
*Como eu o sentia: Era imenso. Gritava. Berrava. As patas vinham com força e me feriam. Não me deixava dormir. Nunca.
Era necessário meu cuidado. Mesmo odiando, comida. Comida e carinho. Sabe-se lá o que era aquilo... e se me matasse?
19 dezembros depois e enfim escancaram a porta da gaiola. O bichano sentia mais medo de ficar que eu. Lá se foi tudo. Uma bicada forte na cabeça. Escuro estava, escuro ficou.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Estrela


Bilhões de dias 5 se passaram. Milhões de anos nessa frase. Depois de uma explosão colossal e um choro de milênios na troposfera, eis que o Universo se assusta com a coisa mais espetacular já vista.
"É só 1!
Nasceu! Tá lá em cima! Brilha demais!"
Vou contar-lhe como foi:
Era dia 05, e todos os fogos de artifício solfejaram o céu. De uma vez. Cores em cascatas. As retinas eram um só arco-íris. Mas nada ainda comparada à estrela-mór no meio. Era a protagonista. A estória inteira. O clímax e o desfecho! Qualquer memória recente circundando fogos de artifícios não era mais nada . Era um ponto simples e inocente, e tão, tão, tão, iluminado! Luminoso!
20 anos de luz clara e até hoje cegando de admiração os que acordam. Nenhuma estrela veio depois. Ouso dizer que foi o Big Bang de quem não dormiu nos últimos vinte verões-intensos. Escrevo feliz. Sou sortudo por sempre olhar para ela. Espero que essa seja a última alegria dos meus olhos.

sábado, 3 de setembro de 2011

Mar de lágrimas

Despenquei em um mar abarrotado por gotas salgadas. Até onde meus olhos chegavam, de lágrimas. Abrí-los lá embaixo era certeza de mais ardor, presenteando o mar com embrulhos fartos de lágrimas. Muitos, muitos sais. Demais. Os mais fortes. Chegava a ser branco e Vermelho. Sim.  Meu corpo replicava, queimando. As imagens tristes da queda expulsaram meus olhos de mim.
Nunca, nunca vou abrir os olhos.
Apareci aqui depois de o céu me tombar. O mar entrou na briga, aliviando um tanto minha alma - agradeci, depois de ver os chãos grossos e pontiagudos da terra seca sucumbirem com a queda. Agora é só passar noites certas de empuxo e melancolia. É apenas isso. Vou dar um inverno para o mar... ou o céu ou o inferno.

domingo, 7 de agosto de 2011

Outono de penas


As penas foram se soltando uma a uma. Transformando, junto com o tempo, o céu num verdadeiro outono de penas. Uma festa triste de plumas brancas, soltas, todas dançando valsa com o vento. Justiça para as vitoriosas! Quando eu, o pivor, me acabei, elas se libertaram com força, com vontade. Vontade de me ver despencando da imensidão.
Braços quase nus agora.
Apenas sentí-los. Quase não usei meus olhos - eles estavam secos de vento. É melhor deixá-los fechados agora. Espero que lá embaixo tenha um colchão de todas as cores, de orquídeas ou margaridas.

domingo, 10 de julho de 2011

E vem aí... [parênteses]

"É agora!"
As cortinas abriram. Despiram um palco de sete metros. Só eu ali em cima. Cabeças até onde a imagem embaça.
Mas silêncio.
Os holofotes em mim ligaram com força.
 "Agora, as cabeças embaçam antes".
Há música, não há mais o que pensar:


Vem comemorar
Escandalizar ninguém
Vem me namorar
Vou te namorar também
Vamos pra avenida desfilar a vida
Carnavalizar

Meus ouvidos passavam noites acordados, apaixonados por essa música. Agora, eles sofriam calados as vaias de um milhão. E elas começaram a soar alto. Cada vez mais pontiagudas na minha cabeça. Humilhando meus ouvidos até eles se calarem. Parei de cantar.
"Vocês querem outra, não querem?".
Talvez não fosse essa a música. Meus olhos gritavam por meu irmão ou minha mãe, esbarravam em toda a platéia. Nenhum ali na multidão. Então a morena que me vira crescer, rindo comigo, lá na cozinha. Nada.
"É 1, é 2, é 3".
 Entraram os dançarinos. Notei pelos passos também. Ainda não tinha olhado pra trás, havia um telão com um vídeo meu, sorrindo.


Viver                                                                                                                           
E não ter a vergonha de ser feliz                                                                               
Cantar e cantar e cantar                                                                                   
 Na beleza de ser um eterno aprendiz
Eu não sabia dançar aquilo..."eles me vaiam mais alto!" Eu não sabia fazer nada! Eu até gaguejava.
As cortinas se fecharam.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Um sonho [início]

Meus pés quase me fizeram tropeçar do penhasco... quando um anjo lindo me fez flutuar. Era radiante, brilhava mais do que 6 da manhã. O sorriso tinha fôlego para brilhar ainda mais. Era feito de luz e amor - beirava os sonhos. E eu ainda conseguia sentir sua pele suave. Tocou minha mão com uma leveza própria e me deixou tão leve quanto. Em seguida, voamos de mãos dadas por todos os pontos azuis do mundo. A selva de homens lá embaixo agora parecia menor do que qualquer problema. Problemas que eu não tinha mais: sua boca vermelha soprava as mais doces palavras, e tão rápido ocupava toda minha mente. O dedo do anjinho apontava os melhores lugares. Todos com água, muitas flores, muita vida. "Vamos sentar ali?". "Onde você quiser". Preferia deixar minha vida à mercê de seus desejos. O anjo ficou com toda minha confiança, com todo meu amor. Como retribuir? "Me abraça, me beija. Vem me levar de novo sempre que tu quiser."

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Semeador de oásis

Só há areia.

É a menor mentirosa do mundo: grãos pequenos, levinhos, brancos. Brilham tanto que chegam a reluzir todo o céu. É como ouro! Dela nasce todo o verde, marrom, vermelho, rosa. Do outro lado, tem-se um desgaste de toda uma vida: já não tenho mais pernas para encarar os amontoados de grãos. Amontoados feito véus grossos: tapam todo o horizonte. Meus olhos, todavia, já não conseguiam ver horizontes há muito tempo - eles me disseram que no deserto só reina a areia. Citação acompanhada por lágrimas secas. Às vezes, os olhos riem da minha cara pálida mostrando miragens. São meus maiores inimigos, com certeza.
Preferia ter nascido cego! Sim!
Em compensação, minhas mãos ainda me fazem vivo. Coitadas. Até conseguiram plantar uns oásis por aí. Oásis de todas as cores e de água sem nenhuma! Mas andei tanto, depois, que nem lembro mais onde estão. Minhas mãos também escalam as montanhas mais altas de areia e me impedem de cair no chão por vezes. Trocaria meus olhos por mais duas.
Mas o deserto me quer assim. Acredito que ele goste de ter os grãos de areia batendo e arranhando meu corpo. Digo isso porque o sol sorri com força quando eu tropeço - ele escancara, mais convicto, minha sombra escura. Pelo meu caminho, meus olhos vêem mais montanhas de areia se formando. Motivos que eu nunca irei entender. Também nunca vou entender por que eu preciso continuar caminhando, nem por que há tantos montes de areia, nem mesmo por que eu sou o único 'semeador' de oásis daqui.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Verdades

Há verdades que meu peito já entendeu mas minha cabeça não.
Verdades que, estampadas em livros sagrados, sangram meu coração.
Verdades proferidas de joelho.
É um punhado de verdades que faz da minha vida um monte de mentiras.
Verdades que me fazem conviver em harmonia com a depressão.
Verdades tão fracas mas tão fortes que derrubam adultos.
Apagam adolescentes.
Acabam com sonhos de crianças.
Elas não conseguem entender verdades. As verdades, na verdade.
Crianças que quando ouvem amém, choram de verdade.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Esplêndido vôo

Se eles voarem, as cores das asas vão ser as últimas que eu verei. São os mais lindos e coloridos passarinhos, mas ninguém os enxerga desse jeito. O clímax da minha história seria vê-los alegres, fluindo por um céu claro. Clímax e desfecho. Ainda caminho porque sei que eles estão bem presos na gaiola da minha mente. É a única causa. Passo noites inteiras limpando e arrumando essa gaiola da melhor maneira. Mas minhas mãos, quando passam perto deles, têm vontade de esmagá-los. Eu tiraria força de todos os meus músculos e os apertaria de maneira a nunca mais precisar ver pra essa gaiola idiota - talvez falte coragem. Porque lá fora, os pássaros voam livremente. Eles podem, os meus não. O egoísmo e a raiva também preferiram me ver vivo a vê-los voando. Fraqueza minha: será que eu não vejo que isso tudo é errado? Não, não vejo: meus olhos não desgrudam da gaiola. Ou eles morrem primeiro ou eu.

quarta-feira, 16 de março de 2011

"Não serás inocente!"

Os olhos do jovem cegaram toda confiança que ele havia depositado nela.
A inocência do príncipe parecia contemplar com a alegria e o carinho da negra servente. Ele a adorava. Ela o tratava da melhor maneira: café forte da fazenda ainda na cama fofa, água gelada na boca a cada vento quente que soprasse. A melhor receita de sopa do reino era dela. De fato, a melhor e mais prestativa servente. Em retribuição, ele conseguiria todas as carruagens do reino para a negra, se ela estivesse indisposta para ir ao celeiro, mandaria matar os cordeiros mais gordos, se ela sentisse desejo. Daria todas as pratas que precisasse, mas vê-la furtando fora um veneno.
Tudo desmoronou.
As pratas que faltaram para a reforma da casa grande estavam nos bolsos imundos daquela negra. De nenhum alvo, mas dela. Os mesmos olhos que viram a nojenta cena, derramaram as mais dolorosas lágrimas em seguida. Ela havia furtado algumas pratas, a auto-estima e a alegria de viver daquele solitário príncipe.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Redenção




Uma bala atrás da outra. Era infinito aquele cartucho. Achava que meu sangue também: dezenove invernos de sangue. E de balas. Imagem embaçada por olhos entreabertos - era impossível fitar os olhos dele. Ao meu alcance havia um rifle e palavras. Apenas. Mas deixei o rifle de lado. Atirei todas as palavras que eu pude. Encontrei um pouco de afeto em mim. Atirei também. Não sei se escolhi as armas erradas: meu sangue continuava a jorrar. E parecia estar mais forte ainda. Eu não era vítima, mas minha culpa não sustentava tanta dor... As palavras, enfim, acabaram. Peguei meu rifle e atirei uma nele. Eu o vi morto, em seguida. Me aproximei para certificar e encontrei um rosto marcado por lágrimas. Aquele tiro que eu dei talvez tenha doído mais em mim. Doeu muito. Era o que faltava para eu morrer.
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