sábado, 29 de julho de 2017

Simultaneamente

A vida existe porque se tem um motivo
E o dele era a criança

Viu ele nascer sem lágrima e ar nenhum. Viu correrem com ele, tão pequeno, para o balão de oxigênio.
O balão de oxigênio foi o mundo, depois de passar alguns dias internado, com canos e seringas por todo corpo.
Mas cresceu forte, inteligente, lindo. Os dentes viviam reluzindo o mundo.
E o peito era cheio, cheio de sonhos. Pulsava muito forte!
Aquela criança já quis conhecer o Pato Donald, ser um grande artista da TV, viajar para a lua, e ser como aquele pai!

Ele era o melhor pai do mundo!
O pai ensinou ele a falar todas as palavras. Até inglês ensinou "não é bá-com, é beicon" pra aquele sabor do salgadinho, quando ele tinha uns 5 anos, mais ou menos.
Lembro que o pai sorria muito com ele correndo por fora da casa com os vizinhos, subindo no monte de areia de obra e dizendo que venceu, com uma alegria gigantesca!
O pai estudava pras provas com o garoto, gritou junto quando ele passou no vestibular, quando ele graduou.
O menino tinha um super-herói. E o pai tinha o motivo.
O motivo cresceu e virou um grande homem.

O pai só não entende o que aconteceu.
O brilho dos olhos foi sumindo.
O filho foi ficando sozinho.
O filho foi ficando triste.
De repente, sem sonhos.
Não saía mais de casa.
Não saía do quarto.
Não tinha ninguém
Não falava nada
Pra ninguém
Ninguém

Escondeu que tinha uma doença incurável.
Começou a usar todo tipo de remédio.
O motivo tentava voltar ao que era.
Mas viu que era quase impossível.
Os dois começaram a sentir dor
Muita dor. No peito. Na cabeça
Esconderam tudo um do outro.
Isolaram-se completamente.
E não falaram mais nada
Pra ninguém
Ninguém

O filho não tinha mais relação alguma com o pai.
O pai não reconhecia mais o filho.
Nem no espelho.

O motivo se acabou. E ele apagou os dois. Pai e filho.
Simultaneamente